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Morar em outro país tem muitas vantagens e desvantagens, mas uma coisa é certa: o sentimento recorrente de NÃO pertencer. Não sei se ele passa com o tempo… não sei se isso muda ou, se aos poucos, aprende-se a lidar com ele, como se lida com alguma característica física que lhe incomoda, mas que faz parte de quem você é.

Eu assumo: faço parte do grupo que compara o novo país ao nosso, quase sempre enaltecendo o primeiro e apontando o dedo em riste às mazelas do segundo. Faço isso ora por revolta, ora por desânimo ao saber das notícias, mas sempre com uma esperança quase que infantil de que a pátria-mãe finalmente supere seus inúmeros problemas e que se torne um lugar menos hostil para todos.

Semana passada, contudo, tive um choque de realidade e constatei, ultrajada, que o país de primeiro mundo onde vivo também lida com sérias questões sociais. E que não são poucas e tampouco em uma escala tão reduzida assim. É bem verdade que, em números e proporções, os problemas são bem menores, mas ainda assim, um drama para quem os vive.

Fui convidada a escrever sobre a violência doméstica contra a mulher na Holanda. Primeira coisa que pensei: “Por que este tema relacionado com a Holanda, dentre tantos outros?”… mas, tá: pedido feito, post em progresso… fui pesquisar.

Créditos da foto: Pixabay

Fiquei completamente estarrecida: os números eram assustadores. A Holanda, um país com quase dezessete milhões de habitantes (dados de 2015), tem uma pesquisa que revela que cerca de 40% da população já sofreu algum tipo de violência doméstica (dados do site huiselijkgeweld.nl). Dentre os 56 mil casos registrados, estima-se que apenas 12% do total de ocorrências seja realmente denunciado, o que daria um número real aproximado de 500 mil casos… é muita coisa!

Caiu meu chão, pois o estereótipo do homem holandês para mim era de um cara calmo, discreto, cumpridor dos deveres, bom companheiro e pai. Lógico que estou indo ao extremo da generalização, pois sei que a grande maioria deve mesmo ser como eu pensava. Inclusive, conheço muitas brasileiras casadas com holandeses, todas muito felizes e bem tratadas.

Aí vem o primeiro ponto para uma outra reflexão: Por que pensar “o” holandês? A violência doméstica geralmente vem direcionada à mulher e como uma representante do sexo feminino eu já tomo as dores e penso que o agressor é o homem… mas o fato é que a violência pode vir de qualquer um e quando a vítima é criança, por exemplo, o agressor pode ter qualquer sexo, idade e grau de parentesco.

Mas a verdade é que, esta estatística, mais do que levantar um tema social, despertou em mim um sinal de alerta: como eu vivia aqui há sete anos e não sabia disso??? Como se, estando há tanto tempo fora do Brasil, ainda assim eu conheço a Lei da Palmada e a da Maria da Penha? Simples: eu acompanho o que acontece por lá. Eu ignoro o que acontece por cá.

Vivo numa bolha: alienação total!

Créditos da foto: Pixabay

Como pode tudo isso? Simples: como muitas brasileiras que conheço, casadas com conterrâneos e com filhos em escolas internacionais, dizer que vivo na Holanda é mera situação geográfica. Mantemos, basicamente, os mesmos hábitos, a mesma rotina, os mesmos programas (e novelas!) de TV que tínhamos na pátria-mãe. Não raro, reunimo-nos num ambiente hermético, onde quem manda é a Língua Portuguesa e onde serão bem-vindos quem a fala ou se proponha a ouvi-la, mesmo que não entenda quase nada…

Mais comum ainda: o desespero, a necessidade quase vital de achar produtos brasileiros, o cabeleireiro, a manicure, a depiladora, a faxineira. Como se pudéssemos encaixar as coisas que apreciamos por lá no intuito de fazer desse (quase) paraíso, nosso Lar Doce Lar.

Assim, cercamo-nos do melhor dos dois mundos: falamos nossa língua, usamos nossos produtos e serviços, embalados pela doce tranquilidade de estar seguros e felizes em um país de primeiro mundo. Melhor ainda: criamos um universo paralelo, compilando o melhor dos dois mundos.

Isto é bom? Isto é ruim? Não sei. Ora penso que sim, ora grito que não. O fato é: vivemos numa bolha, numa majestosa prisão. Sentimo-nos prisioneiros? Penso que quase sempre, não. Vivemos acorrentados? Penso que quase sempre, sim.

Acorrentados ao parco domínio da língua estrangeira, ao passado, às tradições, aos saudosismos, à necessidade de ter acesso à brasilidade (até de coisas que detestávamos) e, principalmente, à dicotomia do “aqui” e do “lá”…

E nessas horas de profunda reflexão e ponderações infinitas, eu me pergunto: Eu saí do Brasil, sim, mas algum dia o Brasil sairá de mim? Estou na Holanda, sim. Algum dia a Holanda fará parte de mim? Ou será mais um capítulo na história da minha vida?

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Categorias: Vida na Holanda

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