Frequentemente leio e ouço frases reforçando a ideia de que o bom brasileiro não foge à luta. Que o bom brasileiro fica no país e tenta melhorá-lo. Em contrapartida, observo uma áurea de acusação e mágoa direcionada àqueles que um dia ousaram buscar o que lhes faltava em outro país. Por que isso acontece???

Sei que vou mexer em vespeiro e que possivelmente serei atacada por muitos (e também defendida por um outro bocado), mas às vezes não consigo escrever só no âmbito das viagens, curiosidades ou trivialidades… não sei se são momentos de inspiração ou  de reflexão, mas o fato é que, em certas ocasiões, uma frase fica martelando na minha cabeça…

Há algum tempo, fiz um comentário no Facebook. Eu não me recordo com detalhes mas , muito provavelmente, o tema tinha algum cunho político ou social. Eu deveria estar enfatizando alguma diferença entre o Brasil e a Holanda e defendendo meu ponto de vista em tal quesito.

Uma conhecida, com a qual eu tivera pouquíssimo contato, replicou que “um bom brasileiro não foge à luta”. Fiquei surpresa e me perguntei “então por que ela mora aqui há mais de 20 anos? O que ela está fazendo aqui, como BOA brasileira? Eu NÃO sou uma BOA BRASILEIRA???” entre muitas outras questões.

Nem preciso dizer que fiquei muito ofendida e magoada com o tom, pois por escrito, não é possível saber se foi uma piada ou um ataque… nunca vou saber, pois não respondi e nunca mais a encontrei. O tempo passou, o questionamento, não. E eu sempre lembrava do comentário, cada vez que alguma amiga comum se referia a ela, em conversas inocentes e banais. Confesso: por muito tempo, guardei até uma certo pesar, pois trata-se de uma pessoa muito gentil, educada, inteligente e bem-sucedida em sua profissão. Tinha (e tenho) simpatia por ela, que é querida por muitas pessoas próximas a mim.  Senti-me inadequada…

Semana passada, publiquei um texto sobre “lavar privadas”, que pode ser que você tenha lido. Recebi centenas de comentários endossando minhas palavras, compartilhando pontos em comum, um retorno que, juro, eu não esperava. Não tão grande ou tão rápido – ou a combinação.

Eu esperava, sim, comentários acalorados contra o que eu havia dito e, foi com muita surpresa, que obtive só uma resposta contrária ao meu ponto de vista, apesar de gentil. A pessoa me dizia que ficava feliz por eu sentir essa Paz, mas que ela preferia ficar no Brasil praticando a Paz, pois fugir do Brasil não iria ajudá-lo em nada…

Pensei muito nas palavras dessa pessoa e, tenho que admitir, achei bonita a atitude de ficar e querer um país melhor. Achei louvável a defesa da pátria amada. Achei até engraçado (sem ironia alguma nas minhas palavras) ela me mandar “lavar feliz as minhas privadas”. Em nenhum momento, fiquei brava ou indignada ou ofendida; pelo contrário: o Brasil precisa mesmo de quem o defenda, que se importe, que se doa e que se doe por ele.

Lá fui eu de novo, repensar minhas palavras, minhas opiniões e meus sentimentos! Eu fugi? É assim mesmo que as pessoas vêem a minha condição? Levei uns dois dias refletindo sobre o tema e resolvi escrever uma resposta. Talvez essa minha compatriota nem volte a ler meus textos, mas ainda assim, vou usar meu direito de defesa; vou expor minhas razões.

Eu não pertenço a partido político algum, não defendo plataforma política de nenhuma natureza e tento sempre me manter informada, mas neutra, a tudo o que se refere aos acontecimentos atuais. Quem me conhece de perto, sabe que sou antenada, “politizada” mas não sou “partidária”.

Porém, apesar de estar fora do meu país, desejo com todo o meu patriotismo que o BEM vença o MAL, que a ÉTICA derrote a MALANDRAGEM, que a IMPUNIDADE aniquile a CORRUPÇÃO e queo DIREITO DE IR E VIR prevaleça sobre a INSEGURANÇA.

Sei que isso não é utopia, sei que isso não é desejar o impossível. Sei que só com o envolvimento, com o engajamento de todos, conseguiremos alcançar esse objetivo. Mais uma vez: com visão política, mas sair em defesa de situação ou oposição, porque por mais divergentes que sejamos quanto a candidatos ou partidos, todos concordamos que mudanças sociais são necessárias. E “para ontem”…

Muito bem: em resposta à “minha covarde fuga desertora” e “ à corajosa persistência dos que ficam para lutar”… todos nós travamos nossas batalhas diárias, dentro ou fora do país de origem. Tenho 45 anos, trabalho desde os 15. Aos 19, com Magistério concluído, comecei a lecionar, o que fiz por quase 20 anos (isso contando só os anos trabalhados no Brasil).

Não posso ser acusada de “não ter lutado”. Paguei todos os impostos devidos, cumpri as leis e as obrigações trabalhistas, vacinei meus filhos, mandei-os para a escola, recolhi o lixo… tudo o que se pode esperar de um cidadão do bem. Tudo conforme o figurino!

Hoje, na “bolha hermética em que vivo” não preciso mais fazer o mesmo?  Obviamente que não: continuo levantando às 6:30 da manhã, continuo pagando impostos, recolhendo o lixo, mandando os filhos pra escola e mais uma infinidade de coisas… Turista FullTime (tempo integral) é só um nome… fantasia, mesmo. Não fico 24 horas por dia, sete dias por semana, 365 dias por ano de férias, tirando foto em algum paraíso europeu. Não, minha vida não é muito diferente da de qualquer outro que “tenha ficado para lutar”…

Continuo me considerando uma BOA brasileira, já que é no Brasil que pretendo passar minha aposentadoria e minha velhice e já que é lá que estão meus amigos de mocidade e minha família. Acredito piamente ser uma BOA brasileira, já que me ofendo toda vez que algum estrangeiro fala mal do “MEU” país ou que sinto um olhar estereotipado sobre minha pessoa ou minha cultura. Ou ainda, quando o estrangeiro confunde as coisas e acha que toda mulher brasileira é “BOA”…

Então, por que eu e outros milhares de brasileiros vivendo no exterior resolvemos “abandonar o barco”? Por que “desistimos de lutar” ? Por que “abandonamos o front” ? Covardia? Cada-um-por-si-Deus-por-todos? Salve-se-quem-puder? (—) e mais uma dezena de frases de efeito para os “fujões”…

Não posso responder por todos os expatriados, mas posso responder por mim. Não acho que “fugi da luta”. Acho que vim lutar por uma vida melhor e sentir que meu esforço surte efeito no meu dia a dia. Alguém me escreveu por esses dias que a faxineira da escola da filha aqui na Holanda chega de Corolla… minha irmã é pedagoga no Brasil e chega de ônibus, carregada de cadernos e livros, muitas vezes sem ter conseguido sentar durante o trajeto. Muitos trabalhadores “mais humildes” (como seriam chamados no Brasil) moram em casa própria aqui, enquanto eu conheço no Brasil  um casal “bem encaminhado” (ele, médico; ela, dentista) que mora de aluguel.

Quero concluir com um desabafo: tudo é uma questão de parâmetros e pontos de vista. O meu certo pode ser o errado de alguém e vice-versa. Não estou querendo bancar a “mocinha” ou a ”mártir”, estou apenas querendo viver a minha vida e sentir que minha trajetória não foi em vão, nem que isso seja uma verdade apenas na vida dos meus filhos ou netos.

Não fugi à luta, só aceitei o fato de que como “soldado raso” que sou, não teria poder para vencer  batalhas que vão além de “matar um leão por dia”, e nesse confronto ainda correr o risco de ser atingida por uma “bala perdida“…

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Categorias: Vida na Holanda

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